No Rio de Janeiro do início da década de 1980, o entorno do Maracanã não era uma área para incautos, sobretudo de madrugada. Mas Luiz Cláudio Pereira e seus colegas não tinham alternativa: o horário era o único em que conseguiam entrar despercebidos no Estádio Célio de Barros para usar a pista de atletismo. “A administração do estádio não permitia que os atletas deficientes usassem as dependências, sob a alegação de que as cadeiras de rodas danificariam a pista. Só que a gente, então, usava o estádio escondido, de quatro às seis da manhã, para poder treinar”, explica, com uma risada, o primeiro grande herói paralímpico brasileiro, lembrando que as competições paralímpicas são realizadas nas mesmas pistas olímpicas hoje em dia.

Esse é apenas um dos “causos” contados por Luiz Cláudio para ilustrar a evolução de condições e percepções no esporte paralímpico brasileiro. E suas histórias – e guinadas do destino – tornam ainda mais impressionante o seu currículo. Ele era um judoca que sonhava com as Olimpíadas quando, em 1977, ficou paraplégico depois de fraturar a coluna em uma luta. Hoje, também é um dos principais embaixadores do esporte paralímpico.

Dono de nove medalhas paralímpicas (seis de ouro e três de prata, nos arremessos de peso e no lançamento de disco e dardo), conquistadas ao longo de três Paralimpíadas – 1984, 88 e 92 -, o carioca colecionou esses pódios em uma época em que obstáculos no campo de competição eram o menor dos problemas para atletas com deficiência.

Luiz Cláudio (no centro e com a bandeira nacional no colo) participa do desfile dos atletas nos Jogos Paralímpicos de 1984 - Foto Agência Brasil

Luiz Cláudio (no centro e com a bandeira nacional no colo) participa do desfile dos atletas nos Jogos Paralímpicos de 1984 – Foto Agência Brasil

Frio – “A gente competia sem o menor apoio. Fomos aos Jogos Pan-Americanos de 1982, no Canadá, e chegamos para competir em um frio quase abaixo de zero. Só que não tínhamos uniforme ou mesmo agasalhos. Não queríamos sair do avião”, brinca Luiz Cláudio.

“Ninguém patrocinava o paratleta. Ouvi de empresários que eles não queriam associar sua marca aos deficientes físicos. A gente não tinha bolsa-atleta, por exemplo, e precisava compensar a falta de recursos com a determinação. Hoje há muito mais investimentos, e isso se reflete no sucesso esportivo do Brasil nas Paralimpíadas”, acrescenta o ex-paratleta e hoje dirigente (é presidente da Associação Brasileira de Rúgbi em Cadeira de Rodas).

Para Luiz Cláudio, no entanto, a diferença mais importante é a maior atenção para as pessoas com deficiência no Brasil, algo que ele vê também influenciado pelo festival de medalhas que as delegações brasileiras têm colecionado com mais constância desde os Jogos de Sydney, em 2000.

No entanto, o cadeirante diz ter ficado mais feliz com a polêmica causada pelos problemas iniciais com a venda de ingressos para a Paralimpíada do Rio do que com os resultados do Brasil na competição até agora. “A grande felicidade, para mim, é ter percorrido as arenas e ver o planejamento levando em conta também as necessidades do atleta e do público com deficiência. Andei de BRT e me locomovi sem problemas. E a resposta do público foi espetacular. Temos a segunda maior venda de ingressos da história paralímpica. O esporte ainda é a maior vitrine para mostrar a deficiência no Brasil”.

O paratleta conquistou nove medalhas nas Paralimpíadas de 1984, 88 e 92

O paratleta conquistou nove medalhas nas Paralimpíadas de 1984, 88 e 92

‘Segregação’ – Mas o pioneiro chama a atenção para problemas que persistem fora da esfera esportiva, em especial o assustador índice de desemprego entre a população deficiente – estatísticas do IBGE mostram que mais da metade dos 45 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência estão fora do mercado de trabalho.

O esporte, sendo assim, é uma alternativa de vida ainda mais importante, que Luiz Cláudio ainda vê marginalizada. “Só que o acesso dos deficientes aos clubes tradicionais, por exemplo, ainda é inexistente. O trabalho de formação dos atletas continua restrito às associações para deficientes. Melhoramos muito em relação a meu tempo, mas ainda estamos contando com as mesmas estruturas que criamos para sobreviver. Ainda há uma segregação. O esporte precisa ser acessível a todos no Brasil”.

“É algo fantástico estarmos realizando a Paralimpíada no Rio, mas o grande desafio é o que vamos fazer depois. Temos conversado com patrocinadores, e há muita preocupação com o investimento depois da Rio 2016. As competições são uma grande vitrine para a causa do deficiente, não podemos nos mover para trás”.

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