Projeto conjunto da Associação Brasileira de Rugby em Cadeira de Rodas (ABRC) e dos Centros de Referência do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), as Escolinhas de Rugby, criadas com o para oferecer iniciação esportiva a crianças, adolescentes e adultos com deficiência física, começa a render frutos também para o alto rendimento.

Érick disputando posse de bola (foto Thelma Vidales)

Nascido em Heliópolis, comunidade da Zona Sul de São Paulo (SP), Erick de Jesus Silva, de apenas de 16 anos, atleta da equipe Ronins (SP), chamou a atenção logo em sua primeira participação em um torneio nacional. Seu desempenho foi tão destacado que o jovem faturou o Troféu Tininha do XVI Campeonato Brasileiro, premiação que é entregue a revelação da competição. Tudo isso apenas seis meses depois de iniciar as atividades no núcleo de São Paulo das Escolinhas de Rugby em Cadeira de Rodas.

A ascensão quase meteórica do jovem começou em 2023, mas em um outro esporte, o tênis de mesa. Foi com as raquetes que Erick iniciou no esporte adaptado, até ser descoberto em fevereiro de 2024 por Mauro Furtado, treinador da Escolinha de Rugby na capital paulista.

“Meu sonho era entrar na escolinha do CPB. Fiquei dois anos seguidos tentando. Aí me chamaram em 2023. Iniciei no tênis de mesa e gostei bastante, mas eu não era muito bom”, contou Erick. “Aí o Mauro me viu e achou que eu era elegível pro Rugby. Eu falei ‘vamos fazer o teste’”, completou.

Foi paixão à primeira vista. Considerado hiperativo na infância e praticante de Muay Thai entre os 14 e 15 anos, Erick não se assustou com toda a intensidade envolvida em uma partida de Rugby. Pelo contrário, o esporte de contato foi com o qual ele mais se identificou. “Perguntei para o Mauro se podia bater. Ele disse que podia. Aí eu me apaixonei pelo esporte (risos)”, descontraiu.

O treinador explica que no sistema das Escolinhas existe uma rotação de alunos entre as modalidades, para que todos tenham vivência múltipla e desenvolvam o repertório motor, antes de escolherem uma modalidade alvo para a performance.

“A gente começou buscando alunos, quem seria elegível, quem não seria. Quem tem algum tipo de deficiência que poderia participar do Rugby. Numa dessas encontramos o Erick no tênis de mesa. A gente conseguiu ver nele essa qualidade para estar aqui”, explicou Furtado.

Erick possui a Doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT) que é um grupo de neuropatias hereditárias que afetam os nervos periféricos, causando fraqueza muscular, perda de sensibilidade e deformidades ósseas. A doença é progressiva, não tem cura e afetam os nervos que controlam os músculos dos membros superiores e inferiores.

Ainda em idade escolar, o jovem cursa o 2º ano do Ensino Médio no período da manhã e à tarde se dedica ao Rugby. Começou com treinos duas vezes na semana na escolinha, mas não demorou para passar a realizar atividades todos os dias.

“Eu queria me aprofundar. Vi que tinha possibilidade de me destacar e fui a fundo, me dediquei ao máximo. Fazendo tudo que o Mauro pedia, todos os fundamentos, com paciência”, contou Erick.

Chegada ao Ronins

Destaque na Escolinha, logo Erick teve a oportunidade de, em junho, se juntar a uma equipe de alto rendimento, o Ronins, que atualmente disputa a 1ª Divisão do Campeonato Brasileiro. O time da capital paulista treina nas dependências do CT Paralímpico e, em maio deste ano, anunciou Mauro Furtado como treinador.

Mauro Furtado concentrado em quadra, observando o jogo (foto Thelma Vidales)

“Como ele foi passando por todo esse processo, com o nível de dedicação, habilidade e performance que ele vem mostrando, surgiu a possibilidade de participar do Ronins”, relatou Furtado. “Mas além da quadra, monitoramos também a performance escolar e fazemos um acompanhamento junto à família. Conversamos muito com a família antes dele entrar no Ronins, pois é muito importante para nós todo mundo estar a par do que está acontecendo”, completou o treinador.

Erick foi recebido com muito carinho por atletas experientes e de destaque no cenário nacional, como Lucas Junqueira, Denis Cairiac e Marco Siqueira. As dicas dos veteranos auxiliam o novato na transição e adaptação para o esporte de alto rendimento.

“Eu comecei reforçando os fundamentos da Escolinha, mas por um tempo maior e em uma intensidade maior. Depois fui aprendendo as jogadas, o manejo de cadeira, e fui evoluindo, absorvendo aquilo. Entrei numa equipe com pessoas muito experientes, que conseguem me instruir e me ensinar muito”, contou o jovem.

Na quadra com o ídolo

Para Erick, sua grande referência no esporte é Gabriel Feitosa, atleta da equipe Santer Vikings (RJ) e da Seleção Brasileira, eleito o MVP do XVI Campeonato Brasileiro de Rugby em Cadeira de Rodas. Como joga por uma equipe do Rio de Janeiro, mas reside em São Paulo, Gabriel treina no CT Paralímpico junto com atletas da Escolinha para manter a forma quando está na capital paulista e tem encontros constantes com o pupilo.

“O Gabriel é um dos atletas que me ajuda muito desde o início. Ele participa de algumas atividades e traz uma intensidade muito maior. Às sexta-feiras treinava só eu e ele. Como nós dois somos de pontuação alta (3.5), ele foi me dando umas dicas. Ele é como um irmão pra mim”, destacou Erick.

Eles se enfrentaram no primeiro dia do Campeonato Brasileiro, em um duelo que “saiu faísca” em quadra. Mas a equipe de Gabriel levou a melhor, vencendo por 47 a 30. A dupla também já esteve reunida em duas ocasiões com a Seleção Brasileira, quando Erick foi convidado pelo técnico Benoit Labrecque para participar das atividades junto aos atletas convocados.

Rugby em Cadeira de Rodas é apoiado pela ColoplastComitê Paralímpico Brasileiro e Loterias Caixa/Governo Federal.